Heura

Maria-Mercè Marçal
Maria-Mercè Marçal

Car si près que tu sois l\'air circule entre nous.
                              M. DESBORDES-VALMORE

Hera,
          vitória marçal,
                                 irmã
estrangeira, de uma só vez feita presente:
Como decifrar a tua linguagem bárbara
e violenta que força os meus confins
até o sangue, um repto que não me deixa
nem mesmo as pernas para fugir!
Que olhos e que mãos — não as minhas —
saberiam te ver como um tato, somente,
como a beleza feita carne, aberta
sobre o meu ventre, sem interrogações?
Não posso deixar de ter saudade dos ouvidos
adivinhos que te caçavam a voz
quando apenas eras a sombra de um murmúrio
de folhas altas, corpo adentro, desejo,
sinais de fumaça de um lado a outro
do bosque, som de tambores, aberto, longe,
pombo com bico em branco, onde eu inscrevia
o alfabeto vegetal da tua mensagem,
poema vivo que não urgia resposta
como agora esta que sei que não sei.
E apesar de tudo te chamo vitória,
hera marçal, irmã, a estrangeira.

MARÇAL, Maria-Mercè. A irmã, a estrangeira. Text de Fabiana Éboli Santos. Rio de Janeiro: Espectro, 2006. Pàg. 

Traduït per Ronald Polito

Ronald Polito