Viatges i flors

Mercè Rodoreda
Mercè Rodoreda
Flor negra

Sete poços e sete noites das mais longas se juntaram para que ela nascesse. E mil formigas deram a vida para que tivesse a sua cor e o seu tipo de envernizado. Parece um cravo frisadíssimo e mede um palmo. Abre-se durante setenta noites-noites: as mais escuras, as mais quietas, as mais mortas. Procuram-na às apalpadelas para fazer o ungüento que faz sofrer. Este ungüento é colocado atrás das orelhas, entre os dedos dos pés, na parte interior da coxa esquerda... Esfregue com força e durma tranqüilo que o mal vai sendo fabricado sozinho. Ao cabo de dois dias e duas noites você desperta com uma dor tão grande que não lhe deixa respirar. Uma bela dor para você poder acreditar que é importante; uma dor de pedra e sal, uma dor amarga de fígado e de entranha profunda, uma dor agarrada no pescoço como um prego pregado com martelo, uma dor de dez mil quilômetros, uma dor que lhe mata e lhe estanca o sangue para que se apodreça. Uma dor que, como as maiores dores, não se deixa explicar. Não a deixe fugir; se esta dor se fosse, você tornaria a não ser ninguém.


Flor Sombra

A sombra de uma flor cai na terra. A Flor Sombra, ligada a não sabe o quê, somente vive quando vivem os que dão luz. Mais fina que um papel de cigarro, plana, às vezes pendurada de barriga para cima, às vezes de lado, obrigada a mastigar o pó, sem raízes, sem sangue e sem abelha, longe da sua flor, muito perto da sua flor, toda de cor elefante, olha as constelações quando surgem, porque é a única coisa que pode fazer: o esquilo de vidro, os dentes da mitzurica, a lâmina de ferrugem, a costureira azul, a boca do timpanista, o barco de enxofre, o soldado sem mãos, o enforcado com a língua de ferro, a cereja de sal, o galo alegria. Quando nem sombra é, perdida na sua flor, lembra como se apenas fossem sombras os esguichos da água do céu. Quando o sol a faz viver, pensa nisso. E quando a faz viver a lua, olha e olha todo o negro brocado d’água sem ousar nem respirar. Porém quando o dia é cinza e a noite escura, não é nem flor nem sombra, nem sombra de flor. Adeus.

RODOREDA, Mercè. Flores autênticas. Fuchu-shi: Edições do Outro Mundo, 2004, p. 24.

Traduït per Ronald Polito

Ronald Polito